Prancha 05 - "O Livro" (storyboard)


Segundo o filme “Western vs Eastern Storytelling - What's the Difference?”, a versão da história “O Livro” que apresento (1.ª versão) apresenta um storytelling do género Ocidental.

O facto da história ter apenas um herói foi uma opção assumida desde o início apesar de não me sentir confortável com ela, uma vez que se poderia revelar redutora.
A opção manteve-se até conhecer “Nakama” a palavra mencionada no filme, como sendo a grande diferença entre o storytelling Ocidental e Oriental.

Após uma rápida pesquisa encontrei o site Urban Dictionary, que define “Nakama” como uma palavra Japonesa que significa amigo ou camarada.
Dentro de um contextos mais específico como a manga, poderá significar: “conjunto de pessoas mais intimas do que família”.

Segundo o filme, “Nakama” refere-se a um grupo de Heróis amigos com capacidades diferentes, liderado por outro herói e todos mobilizados para a mesma missão.

Uma família de heróis unidos na resolução de um único desafio parece-me uma ideia promissora e com potencial. Neste momento reescrevo uma segunda versão da história.

Character Design - Edite




Personagens: Antes da representação visual um personagem (por ex., estatura; peso; maneira de vestir; adereços; etc.) é necessário definir alguns dos aspectos “menos visíveis” da sua personalidade e quotidiano (por ex., o que a motiva ou desmotiva; o seus gostos; os seus hábitos; elementos da família com quem priva; amigos com quem partilha as experiências; os inimigos; os locais frequenta; etc..).

Eles são o elemento mais importante da história pois é com os personagens que o leitor cria (ou não) empatia e participa nas aventuras. São eles que conduzem a audiência envolvendo-a na alegria e no sofrimento, na desgraça e no sucesso e na procura das soluções para os problemas que vão surgindo e que têm de ser superados. Um personagem verosímil é cativante e enriquecedor e pode ser determinante para a permanência do leitor na história.

Por essa razão é importante que os personagens sejam criados com o máximo de informação “menos visível” possível para que possa ser colocada ao serviço da história.

Imagem: Um dos últimos estudos da Edite que é a personagem principal de “O Livro”.


Narrativa - Prancha 04 | Vinhetas 3 a 5 (Cap. I)


"De repente o crepitar das tábuas dá lugar a um estalido forte e grave.
O chão cede por baixo do meu pé direito que se afunda num buraco ao mesmo tempo que a película cinzenta de pó é rompida pela primeira vez em muitos anos. De imediato suspendo a respiração para impedir que as partículas me entrem para a boca ou nariz. Semi-serro os olhos e atordoada fico a olhar para o feixe de luz que entra pela única janela que ali existe e que parece ampliar a quantidade de partículas suspensas que me envolvem num abraço, que me convida a permanecer.

Superada a surpresa e afastando o medo, tento adaptar-me à iluminação mais ténue ao nível do chão. Inclino-me para a frente enquanto apoio cuidadosamente as mãos no soalho apodrecido. Com a mão direita contorno as tábuas à volta do tornozelo em busca de uma folga até encontrar uma mais fragilizada, que se esfarela quando a pressiono.

Estou livre e curiosa. Pego no telemóvel que trago no bolso e uso-o como lanterna. Aponto-o para o interior do buraco na tentativa de perceber em que superfície macia e confortável se apoiou o pé. Parece um embrulho cuidadosamente escondido.
Com a ponta dos dedos agarro o pano envelhecido que o envolve e quando puxo rasga-se sem que o objeto que protege se mova."

Narrativa - Prancha 04 | Vinhetas 1 e 2 (Cap. I)


Com cuidado, avanço paço-ante-paço numa irresistível viagem no tempo, tropeçando em memórias felizes que me abandonaram há já muito e das quais já não tinha consciência. Sou bombardeada por inúmeras emoções à medida que observo o cenário.

Continuo a avançar. Desvio-me dos objetos maiores que ostensivamente teimam em ficar no caminho. Apesar do esforço que faço para não sobrecarregar as tábuas sob os meus pés, tenho a sensação de que a delicada superfície que percorro pode ceder a qualquer momento.

Prancha 04 - "O Livro" (storyboard)


"O livro" é um projecto literário criado com o objectivo de ser adaptado à Banda Desenhada e que tem pressuposto simples: contar histórias da História de forma lúdica e interessante com recurso a uma narrativa emocionante e romantizada.

Associada a esta ideia está também a preocupação de uma produção rápida.

Assim que comecei a "desenrolar este novelo" apercebi-me que o “pressuposto simples” se complicou e para que a história pudesse ser produzida e implementada como planeado, não me restou outra opção senão simplificá-la. Comecei por aperfeiçoa-la nalguns pontos, sempre em busca de algo mais "controlável".

Este processo de simplificação foi rápido e permitiu que a história conservasse a sua identidade, deixando-a com um bom potencial de evolução.

As pranchas que estou a disponibilizar ainda pertencem à primeira versão da história.

Narrativa - Prancha 03 | Vinheta 03 (Cap. I)


Por todo o lado se acumulam objetos de todas as formas e feitios. Alguns perderam a sua utilidade com o tempo, outros nunca a tiveram e só ali estão pelo capricho e imaginação fértil de 3 crianças, que em determinada altura elegeram aquele local como o favorito para as suas brincadeiras.
Lembro-me da felicidade estampada na cara da minha mãe quando nos via a correr aos gritos pela cozinha na direcção do sótão, totalmente absorvidos na imaginação da brincadeira.

Éramos uma família feliz!

Os meus tios, os meus primos, a casa, a pocilga,  a capoeira, o trator, a ribeira, o pinhal, era tudo o que não tínhamos na grande cidade. Aqui tudo era permitido. Sentia-mo-nos adultos a viver aventuras adultas.

Com o desaparecimento do pai toda a alegria desapareceu como que absorvida por um buraco negro. Passo a mão pelos olhos na tentativa de impedir uma lágrima mais rebelde.

Olho para para aqueles objetos, todos eles familiares, dispostos de forma aparentemente desorganizada mas com um padrão, o padrão de brincadeiras interrompidas à espera de serem recomeçadas.
Aproximo-me da velha arca, certamente  recheada com os  mesmos objetos da minha infância. Observo-a mas não me atrevo a abri-la pois sinto que se o fizer, uma memória feliz vai desaparecer para sempre.
Junto dela estão as lamparinas de azeite que nunca cheguei a ver em pleno desempenho das suas funções pois tornaram-se desnecessárias após a chegada da electricidade. Mais à frente estão os livros de histórias infantis, os livros escolares e as sebentas todos empilhados, amarelados pelo sol e encarquilhados pela humidade. Ali está a velha ardósia da avó, herdada pelo tio, já meio partida; os montes de sapatos velhos desencontrados ou sozinhos, caixas de cartão recheadas de pequenos objectos isolados; brinquedos que pela sua simplicidade tinham a capacidade de nos estimular a criatividade em brincadeiras épicas; os bancos de madeira que ali foram colocados na esperança que se tornassem úteis mais uma vez; as ferramentas do avô trazidas para aqui durante as brincadeiras e que foram privadas de mais alguns momentos de utilidade, ficando no esquecimento. Estes objectos continuam aqui como me lembrava, agora unidos pelo fino manto cinzento-acastanhado que os faz partilhar o mesmo destino: o esquecimento.

Narrativa - Prancha 03 | Vinhetas 01 e 02 (Cap. I)


11:00 horas.

Acordo toda partida, cheia de dores devido à posição em que dormi. Já não dormia nesta cama há séculos. As molas já estão tão deterioradas pelo tempo e pelo uso que se “afundaram” logo que me deitei, fui literalmente “engolida”.
Estou que nem posso.

A visita à tia vai ser curta e já é tarde. Coragem!

Ao primeiro movimento à procura de um apoio para sair do “buraco”, perco o equilibrio e sou novamente “absorvida”. Parece que estou num insuflável!
Com esforço ponho-me de pé e agarro no telemóvel que deixei em cima da mesa de cabeceira.
Não o devia ser assim, mas a primeira coisa que faço logo que me levanto é verificar o e-mail e as redes sociais. Tenho deixado a higiene diária fica para segundo plano :-(. Estou dependente deste gadget! Mas o que posso fazer?
É com ele que me mantenho em contato com o resto do mundo e por mais que tente, não consigo viver sem ele.

Tenho 3 Mensagens mas nenhuma delas é suficientemente importante para que perca mais de 2 minutos a olhar para o ecrã. Enquanto me visto, penso na tia que certamente se levantou de madrugada para tratar os animais. Por esta altura já passou pelas hortas de onde colheu as hortaliças para o almoço e pelo pomar, de onde recolheu a fruta.
Neste momento deve estar na cozinha a tratar do almoço e não deve tardar a chamar por mim. Este é um ritual que eu adorava fazer com ela sempre que a vinha visitar nas férias grandes.

Animada pela recordação, encho o peito e dirijo-me para as escadas com a intenção de lhe ir dar um beijinho bem carinhoso, antes de passar pela casa de banho que fica no exterior da casa. Quando passo pelo antigo quarto da avó, paro e olho para a pequena porta junto à cama. Num impulso abro-a e fico de frente para as escadas quase tão curtas quanto estreitas, que dão acesso ao sótão.

Não resisto!

Começo a subi-las com cuidado, acompanhada pelo pelo ranger da madeira envelhecida à medida que subo os degraus. Ao chegar a cima, estico-me e observo a estrutura esconsa do telhado. Está como me recordava, talvez um pouco mais curvada pelo tempo.

Olho à volta e avanço!