Work in progress



06 - Capitulo 1 | Fim de preâmbulo


05 - Capitulo 1 | Pranchas 08 - 09



Preâmbulo "O meu livro e eu" (storyboard) 

“— Até amanhã docinho. — despede-se enquanto se levanta, dirigindo-se para a janela baixando os estores como habitualmente. Junto da porta do quarto vira-se e volta a despedir-se.
— Sonha com os anjos, meu amor.
Apaga a luz e afasta-se deixando-me sozinha no escuro. Afundo a cabeça na almofada e adormeço.”

— “Ediiiiitte…..!”

04 - Capitulo 1 | Pranchas 06 - 07



Preâmbulo "O meu livro e eu" (storyboard) 

“No momento em que abre o pequeno caderno sente um aroma familiar que permanece enquanto folheia as suas espessas folhas brancas, amareladas pelo tempo. É um aroma de recordações agradáveis que revive numa estranha experiência enquanto folheia o pequeno caderno”.
Com um olhar sereno de quem grava aquele momento, o homem sorri e enquanto afaga o cabelo da menina profere as enigmáticas palavras:
— Com esse pequeno livro irás reencontrar a História.
Interrompendo o contacto visual com o livro, a menina olha para o pai na tentativa de compreender o significado do que ouviu, mas numa súbita mudança de expressão impulsiona o corpo e agarra-se afetuosamente ao pescoço do pai.
— Adoro papá! — diz, enquanto lhe beija a face.
Devagar e com solenidade, o pai retribui com um beijo na testa antes de voltar a deitá-la. Por momentos fica a observá-la até conseguir contrariar o desejo que tem de prolongar aquele momento.”

03 - Capitulo 1 | Pranchas 04 - 05



Preâmbulo "O meu livro e eu" (storyboard) 

"— Hora de dormir! Diz o homem enquanto a aconchega.
— Sim papá. Responde a menina com uma alegria natural apesar da voz tépida e dos olhos semi-cerrados pelo cansaço das actividades diárias.
— Mas antes de apagar a luz vou dar-te uma coisa. — continua, enquanto apalpa o chão por baixo da cama."
Ao agarrar num pequeno caderno escondido entre os brinquedos, estende o braço e sem cerimónia entrega-o.
— É pra mim, Papá? Pergunta a criança abrindo os olhos surpreendida enquanto coloca os bracinhos de fora para o agarrar.
— Sim minha querida, é para ti… responde com uma voz segura, na tentativa de esconder uma estranha tristeza.
A menina agarra aquele objecto com ambas as mãos e com o cuidado de quem segura a mais preciosa jóia. Surpreendida, observa aquela capa negra baça, cujas orlas são formadas por delicados arabescos em baixo relevo e que cintilam em sintonia com a luz dos relâmpagos.

02 - Capitulo 1 | Pranchas 02 - 03



Preâmbulo "O meu livro e eu" (storyboard) 

"O largo Amato Lusitano encontra-se vazio e os apartamentos, na sua maioria, encontram-se de luzes apagadas. Recolhidos no quarto estão pai e filha num ritual que marca mais um fim de dia preenchido e exigente. A chuva bate na janela com uma cadência forte mas entorpecedora que amplia a sensação de conforto.
O homem tem cerca de 30 anos e um ar ternurento que contrasta com sua postura rígida e exigente. Veste uma t-shirt preta e calças de ganga roçadas pelo uso, rodeadas por um largo cinto de cabedal com uma fivela metálica pesada. Da sua indumentária destacam-se a larga argola dourada que pende da orelha esquerda e uma estranha tatuagem que lhe contorna o deltóide bem definido e que se prolonga até desaparecer por baixo da manga apertada. 
Apoiado no colchão da pequena cama, observa os mais pequenos movimentos da sua filha de 6 anos, que se aninha por baixo dos cobertores. Está consciente das suas mais subtis mudanças de expressão que vão ocorrendo à medida que o pijama cor-de-rosa se lhe enrola no corpo. Pacientemente aguarda que ela encontre uma posição confortável para que possa começar a aconchegar-lhe a roupa. Pouco tempo se passou até se imobilizar com a cabeça afundada na almofada macia. O seu cabelo comprido e sedoso emoldura-lhe a face delicada destacando os expressivos olhos que fitam o pai, enquanto as sua mãozinhas puxam o lençol na direcção da face.”

01 - Capitulo 1 | Pranchas 01



Preâmbulo "O meu livro e eu" (storyboard) 

“Um raio recorta a noite seguido do som ensurdecedor de um trovão que reverbera por longos momentos. A água que cai abundantemente nos telhados dos edifícios é rapidamente conduzida para os algerozes e precipita-se numa descida de vários andares até ser descarregada violentamente nas ruas inundadas.”

00 - Capitulo 1 | Início de preâmbulo



Preâmbulo "O meu livro e eu" - Conclusão (storyboard)



Preâmbulo - 1.º Capitulo

O preâmbulo é construído com uma narrativa muito sóbria que tem como objectivo descrever a relação afectiva entre pai e filha. Para transmitir toda a emoção recorreu-se a uma perspectiva ao nível dos olhos, que é rompida apenas por duas vezes:

- 4.ª vinheta da prancha 2 - Esta vinheta faz uma pausa na narrativa, afastando a audiência da intimidade familiar. Este plano faz uma apresentação do quarto.

- 1.ª vinheta da prancha 7 - Este é mais um momento de afastamento que prepara o abraço que acontece na vinheta seguinte.

Prancha 06 (nova) - "O meu livro e eu" (storyboard)



Nova Prancha 06 - "O meu livro e eu" (storyboard)

Esta nova prancha descreve a relação que se cria entre o livro e a menina.
Nesta cena a câmara roda à volta da menina fixando-se nos olhos, que observam, como que hipnotizada, as páginas brancas-amareladas do pequeno caderno. Naquele momento parece criar-se um elo entre os dois.

Imagem: Na Imagem 2 estão assinalados:
- Pontos de interesse (pontos a verde).
- Orientação de leitura (setas a vermelho)

Prancha 03 (nova) - "O meu livro e eu" (storyboard)




Nova Prancha 03 - "O meu livro e eu" (storyboard)

Esta prancha foi introduzida para descrever o aspecto físico do pai com mais detalhe. Para além da indumentária (t-shirt preta, brinco ou o cinto) é importante que a tatuagem seja apresentada, pois é um elemento importante que irá marcar um momento específico da história no futuro.
Apesar do ritmo de leitura ser semelhante ao das outras pranchas do preâmbulo, o memento representado nesta prancha torna-se mais contemplativo o que reforça a serenidade do momento. Na 4.ª vinheta já é possível ver o livro escondido pelo pai para que pudesse surpreender a filha.
Orientação da leitura:
1.º - A leitura nesta prancha inicia-se ao nível dos olhos das personagens da 1.ª vinheta e vai descendo para o brinco (2.ª vinheta) até chegar à tatuagem  (3.ª vinheta).
2.º - Da 3.ª vinheta para a para a 4.ª vinheta leitor é conduzido pela inclinação do braço e pela ponta da tatuagem.
3.º - Da 4.ª vinheta para a para a 5.ª vinheta, a orientação é feita segundo uma linha horizontal, do  livro para a fivela.

Imagem: Na Imagem 2 estão assinalados:
- Pontos de interesse (pontos a verde).
- Orientação de leitura (setas a vermelho)

Preâmbulo "O meu livro e eu" - novas páginas (storyboard)



Novas páginas do preâmbulo (1.º capitulo):

Com a alteração do preâmbulo foram introduzidas as pranchas 3 e 6 (imagem acima) e corrigida a prancha 7 (imagem acima).

Scott McCloud no seu livro Making Comics, classifica as trasições entre vinhetas em seis tipos diferentes: 1.º- Moment-to-Moment; 2.º- Action-to-Action; 3.º- Subject-to-subject; 4.º- Scene-to-Scene; 5.º- Aspect-to-Aspect; 6.º- Non-Sequitur.
Nas pranchas 3 e 6, para descrever os personagens (quer fisica quer psicologicamente) recorreu-se à transição aspect-to-aspect que foi explicada por McCloud com mais detalhe no livro Understanding Comics. Segundo o autor, esta transição é utilizada para estabelecer um ambiente ou transmitir um sentido de espaço. As vinhetas contemplativas dão a sensação ao leitor que o tempo congela naquele momento. MacCloud conclui que, em vez de o leitor actuar como uma ponte entre vários momentos separados, lê um conjunto de vinhetas como sendo um único momento.
Na análise que McCloud fez a comics criados em vários países, por vários autores e géneros, concluiu que a transição Scene-to-Scene é raramente utilizada na Banda Desenhada ocidental, fazendo parte do mainstream dos Comics Japoneses.

Preâmbulo "O meu livro e eu" - repaginação (storyboard)




Repaginação do preâmbulo (1.º capitulo):

Tendo em consideração os aspectos falados no post anterior, analisou-se a paginação inicial do preâmbulo do projecto "O meu livro e eu", (constituído por 7 pranchas) e verificou-se que seria necessária uma alteração que implica a introdução de duas páginas (mantendo a última prancha do preâmbulo numa página par).

Análise dos aspectos a rever na paginação inicial (descritos no post anterior):
1.º - Descrição do pai (tatuagem, brinco, etc.) - aproveitando-se a sequência inicial da apresentação dos personagens (2.ª prancha) introduz-se uma nova prancha detalha apresentação visual do pai. Nesta apresentação serão mostrados o brinco na orelha esquerda e a tatuagem.

2.º - O primeiro contacto da menina com o livro (reacção) - Este momento será colocado depois da entrega do livro à menina (5.ª prancha na imagem acima). Esta nova prancha irá descrever a reacção que o livro provoca à menina.

3.º - O gosto que o pai tem pelo cabelo comprido da filha - Esta ideia poderá ser reforçada em qualquer uma das pranchas acrescentadas.

Quanto ao livro, este terá de aparecer antes do momento em que o pai o apanha para oferecer à menina (3.ª prancha na imagem acima).

Imagem: Repaginação das primeiras pranchas correspondentes ao preâmbulo.
Esta nova paginação reflete as novas pranchas que terão de ser acrescentadas para que se descreverem alguns aspectos importantes da história. Desta forma, a adaptação do preâmbulo à Banda Desenhada poderá passar de 7 para 9 páginas. Permanecendo a última prancha da cena na página par, consegue manter-se o “efeito de suspense” pretendido desde o inicio.


Adaptação do preâmbulo - 1.º capitulo




Adaptação do preâmbulo - 1.º capitulo (1.ª abordagem):

No livro "Quadradinhos e Arte sequencial", Will Eisner afirma que na literatura o autor dirige a imaginação e na Banda Desenhada (comics ou HQ) o autor imagina pelo leitor.
Esta evidente diferença entre os dois medium implica que haja um cuidado mínimo na adaptação de uma obra literária à Banda Desenhada, devendo o esforço do autor centrar-se na preservação da identidade da história. Por essa razão, uma adaptação desta natureza não deve ser pensada de forma literal, havendo algum espaço para interpretação. Este "espaço" é tanto maior quanto menor for o detalhe do Guião.

“O meu livro e eu” foi criado e pensado para Banda Desenhada e neste projecto o autor escreveu, adaptou e desenhou. Nesta realidade, com base no guião, a primeira preocupação foi dividir cenas em acções, distribuindo-as por pranchas considerando sempre as mudanças de página (pares ou impares).

Cena da chuva:
A narrativa iniciou-se com a cena da chuva que contrasta o ambiente do quarto com o do exterior. Para esta cena foi considerada apenas uma prancha, que conduziu o leitor à cena seguinte - cena do quarto.

Cena do quarto:
Para tirar partido do “efeito de suspense” criado pela viragem da página (característica que define a BD), colocou-se a última prancha desta cena numa página impar. Desta forma cria-se alguma ansiedade ao leitor para o impelir a virar a página (em que neste caso se irá iniciar uma nova cena). Para estudar estas importantes transições fizeram-se estudos prévios, recorrendo a thumbnails. Este processo permite uma tomada decisões rápidas, seguras e acertivas, apesar do caracter ainda provisório do storyboard.

Imagem: primeiras pranchas correspondentes ao preâmbulo.
Estas primeiras pranchas ainda não descrevem muito bem três aspectos que irão ser importantes no decorrer da história:
1.º - Descrição do pai (tatuagem, brinco, etc.).
2.º - O primeiro contacto da menina com o livro. 
3.º - O gosto que o pai tem no cabelo comprido da filha.
Para além destes aspectos, a narrativa seria mais fluída se o livro aparecesse em cena antes de ser apanhado pelo pai (provavelmente em background).

Prancha 07 - "O meu livro e eu" (storyboard)



Alguns raciocínios:

Fim de preâmbulo.

A transição para a próxima cena é feita através desta prancha negra, que contrasta com a última vinheta da prancha anterior (luz produzida pelo raio). A ligação com a cena seguinte é feita apenas pelo "som", produzido pele chamamento a Edite.

No seu livro Making Comics, Scott McCloud afirma que ao contrário do filme ou da televisão que utilizam constantemente os sentidos da visão e da audição para oferecer experiências mais imersivas, a Banda Desenhada (BD) recorre apenas à visão.

"As palavras permitem aos leitores a rara oportunidade de ouvir com os olhos" - Afirma Scott McCloud.

No mesmo capitulo McCloud diz também que na BD, as palavras escritas para além de darem voz aos personagens, permitem descrever os restantes sentidos (audição, tacto, paladar e olfato).


Narrativa - Prancha 07 | Vinheta 01 (Cap. I)




Texto literário - 013:

— “Ediiiiitte.....!

Prancha 06 - "O meu livro e eu" (storyboard)



Prancha 06 - "O meu livro e eu" (storyboard)

"Junto da porta do quarto vira-se e volta a despedir-se."

O interruptor está ao centro da imagem. É o elemento mais importante da cena pois reforça a saída do pai que se prepara para apagar a luz.
Para congelar o momento contrariou-se a ordem natural da leitura. A menina (em primeiro plano) está virada para a esquerda, na direcção do pai que se encontra mais afastado. Para pausar uma ação ou criar um efeito de câmara lenta existem outras alternativas que podem ser usadas em conjunto ou de forma individual. Este assunto é abordado nos posts da Prancha 2 e Prancha 4.

Na 4.ª Vinheta, o ponto de vista (POV) é colocado atrás da menina na direcção da janela do quarto. Isto sugere que os raios são a última coisa que a menina vê antes da mudança de página, mantendo a tensão de um momento por resolver.

Imagem: Na Imagem 2 estão assinalados:

1.ª Vinheta - A grelha branca que divide a vinheta em três partes iguais (regra dos terços) que tem como função auxiliar na composição. Os pontos de interesse estão assinalados a verde.
Orientação de leitura (setas a vermelho):
1.º - A menina (num plano mais próximo) olha para o pai.
2.º - O pai prepara-se para apagar a luz.

1.ª, 2.ª e 3.ª Vinhetas - Orientação de leitura (setas a vermelho).
Os pontos de interesse também estão assinalados na 2.ª vinheta.

Narrativa - Prancha 06 | Vinhetas 02 a 04 (Cap. I)



Texto literário - 012:

“Apaga a luz e afasta-se deixando-me sozinha no escuro. Afundo a cabeça na almofada e adormeço.”

Narrativa - Prancha 06 | Vinheta 01 (Cap. I)



Texto literário - 011:

— Até amanhã docinho. — despede-se enquanto se levanta, dirigindo-se para a janela baixando os estores como habitualmente. Junto da porta do quarto vira-se e volta a despedir-se.
— Sonha com os anjos, meu amor.

Prancha 05 - "O meu livro e eu" (storyboard)



Alguns raciocínios:

Nas primeiras três vinhetas, o ritmo narrativo e o mood é semelhante ao das vinhetas de pranchas anteriores. Por essa razão mantiveram-se os planos, enquadramentos e perspectiva utilizados (com imagens centradas ao nível dos olhos).

A 4.ª vinheta é o momento da despedida. A opção de um plano mais aproximado permite evidenciar a acção principal (o beijo de despedida). A porta do quarto em background determinou o enquadramento, uma vez que é um elemento importante que vai reforçar a saída do pai.

4.ª vinheta - Ordem de leitura visual  (a balonagem será determinante para reforçar ou desvirtuar a ordem de leitura):
1.º - A menina (num plano mais à frente) olha para o pai.
2.º - O pai inclina-se para a menina para se despedir com um beijinho.
3.º - Porta de saida.

Imagens: Na Imagem 2 estão assinalados:
- A grelha branca (4.ª vinheta) faz a divisão da vinheta em três partes iguais (regra dos terços) e tem como função auxiliar na composição.
- Orientação da Acção (setas a vermelho)
- Os pontos de interesse das vinhetas estão assinalados (pontos verdes)

Narrativa - Prancha 05 | Vinheta 04 (Cap. I)



Texto literário - 010:

Devagar e com solenidade, o pai retribui com um beijo na testa antes de voltar a deitá-la. Por momentos fica a observá-la até conseguir contrariar o desejo que tem de prolongar aquele momento.

Narrativa - Prancha 05 | Vinhetas 01 a 03 (Cap. I)



Texto literário - 009:

“Com um olhar sereno de quem grava aquele momento, o homem sorri e enquanto afaga o cabelo da menina profere as enigmáticas palavras:
— Com esse pequeno livro irás reencontrar a História.
Interrompendo o contacto visual com o livro, a menina olha para o pai na tentativa de compreender o significado do que ouviu, mas numa súbita mudança de expressão impulsiona o corpo e agarra-se afetuosamente ao pescoço do pai.
— Adoro papá! — diz, enquanto lhe beija a face.”

Prancha 04 - "O meu livro e eu" (storyboard)



Alguns raciocínios:

Prancha 4 (página par).
Nesta prancha recorreu-se pela primeira vez à utilização de uma tira de duas vinhetas pelas seguintes razões:

1.ª - Para marcar uma reciprocidade entre a menina e o pequeno livro.
2.ª - Para dar o devido destaque ao livro pois é a primeira vez que surge a oportunidade de o representar com detalhe.
3.ª - Para poder reduzir o ritmo da acção, aumentar o suspense e preparar a transição para a página seguinte. O facto do livro estar representado na maior vinheta da tira reduz o ritmo da acção. Existem outros factores que são utilizados em simultâneo para reforçar este efeito: o detalhe do livro (quanto maior for, maior será a pausa do leitor); A orientação do livro no sentido contrário ao da leitura (direita/esquerda) como já foi descrito na Prancha 2.

Recursos do autor para conduzir a audiência pela narrativa:
- Na 1.º Vinheta é utilizada a direcção da acção para orientar o olhar do leitor para a 2.ª vinheta de forma mais natural (setas a vermelho).
- Na 2.º Vinheta recorre-se ao olhar da menina para conduzir o leitor para a 3.ª vinheta (seta a vermelho).

A utilização da hiper-realidade (ou ocularização) na 3.ª Vinheta.
Por definição, a hiper-realidade é uma incapacidade que a consciência tem para distinguir a realidade de uma simulação.
Este recurso narrativo permite envolver o leitor de uma forma muito activa, transportando-o para a acção. Neste caso o leitor é colocado “na pele” da menina enquanto observa o livro.

Imagens: Na Imagem 2 estão assinalados:
- A grelha branca (1.ª vinheta) faz a divisão da vinheta em três partes iguais (regra dos terços) e tem como função auxiliar na composição. O centro da acção na 1.ª vinheta é o livro.
- Orientação da Acção (setas a vermelho)
- Os pontos de interesse das vinhetas estão assinalados (pontos verdes)


Narrativa - Prancha 04 | Vinhetas 01 e 02 (Cap. I)



Texto literário - 008:

"Surpreendida, observa aquela capa negra baça, cujas orlas são formadas por delicados arabescos em baixo relevo e que cintilam em sintonia com a luz dos relâmpagos.
No momento em que abre o pequeno caderno sente um aroma familiar que permanece enquanto folheia as suas espessas folhas brancas, amareladas pelo tempo. É um aroma de recordações agradáveis que revive numa estranha experiência enquanto folheia o pequeno caderno”.

Narrativa - Prancha 04 | Vinheta 01 (Cap. I)



Texto literário - 007:

Ao agarrar num pequeno caderno escondido entre os brinquedos, estende o braço e sem cerimónia entrega-o.
— É pra mim, Papá? Pergunta a criança abrindo os olhos surpreendida enquanto coloca os bracinhos de fora para o agarrar.
— Sim minha querida, é para ti… responde com uma voz segura, na tentativa de esconder uma estranha tristeza.
A menina agarra aquele objecto com ambas as mãos e com o cuidado de quem segura a mais preciosa jóia.

Prancha 03 - "O meu livro e eu" (storyboard)



Alguns raciocínios:

Nesta prancha, o objectivo é o envolvimento do leitor com os personagens através de uma narrativa lenta, calma, constante e equilibrada.
Para alcançar o objectivo, a leitura é feita segundo uma linha horizontal (a vermelho) que é definida pelo cenário (chão/parede) e pelo nível do olhar dos personagens. Esta horizontalidade reforça o equilíbrio e as imagens centradas reforçam a calma. 
 
Quanto ao enquadramento, nas primeiras vinhetas recorreu-se a um Grande Plano para comunicar a emoção das personagens.
Na 1.ª vinheta colocou-se uma câmara “A” por trás da menina e na 2.ª vinheta o Contra-Plano é dado pela câmara “B”, colocada atrás do pai. Estas duas vinhetas sugerem um diálogo entre personagens (Imagem 2). Na 3.ª vinheta, o Grande Plano é substituído por um plano mais aberto uma vez que é necessário revelar o local onde está escondido o livro que irá aparecer na vinheta seguinte. Por ser a primeira aparição, justifica-se a utilização de um Grande Plano na 4.ª vinheta, para o apresentar.

Nesta prancha é possível verificar que na 3.ª vinheta o movimento do pai não está consistente com o da 4.ª vinheta. O movimento de apanhar o livro é iniciado com o braço esquerdo (na 3.ª vinheta) e finalizado com o direito (na 4.ª vinheta). A função do storyboard é precisamente a identificação de erros narrativos antes que haja um investimento demasiado grande num desenho final, que se revele incorrecto.

Imagens: Na 1.ª tira (Imagem 2) está assinalada a orientação da narrativa (a vermelho), representada por uma linha definida pelo cenário (chão e parede) e pelo nível do olhar dos personagens. Os pontos de interesse das vinhetas estão assinalados a verde)
A grelha branca na 4.ª vinheta divide a vinheta em três partes e tem como função auxiliar na composição.

Narrativa - Prancha 03 | Vinheta 04 (Cap. I)



Texto literário - 006:

"— Mas antes de apagar a luz vou dar-te uma coisa. — continua, enquanto apalpa o chão por baixo da cama."




Narrativa - Prancha 03 | Vinhetas 01 a 03 (Cap. I)



Texto literário - 005:

"— Hora de dormir! Diz o homem enquanto a aconchega.
— Sim papá. Responde a menina com uma alegria natural apesar da voz tépida e dos olhos semi-cerrados pelo cansaço das actividades diárias."




Prancha 02 - "O meu livro e eu" (storyboard)



Alguns raciocínios:

O “Contrato não Escrito” na Banda Desenhada. Composição e perspectiva.

Apesar de na BD existir aquilo a que Scott McCloud chama de “Contrato não Escrito” - a convenção de que a leitura se faz da esquerda para a direita, de cima para baixo (ocidente) - é possível e até aconselhado que o autor procure soluções que permitam uma leitura mais fácil e intuitiva.
Segundo Will Eisner, depois de uma acção definida passa-se à composição da vinheta, processo que envolve perspectiva e disposição de todos os elementos visuais que a irão compor. Nesta fase o primeiro cuidado a ter é o fluxo da narrativa, o “Contrato não Escrito”. De seguida vem a preocupação com o tom, a emoção e o timing da narrativa e finalmente os elementos decorativos e a paginação.
Eisner diz também que o formato da vinheta e o uso da perspectiva dentro dela podem ser manipulados para produzir vários estados emocionais no espectador.
Por exemplo: no caso de uma perspectiva picada o leitor é afastado do meio da acção ao contrário de uma contra-picada, que o envolve na acção. 


A composição e perspectiva no projecto "O meu livro e nós" - Prancha 2:

A acção das próximas pranchas (da 2.ª à 5.ª pranchas) representa uma cena da vida quotidiana passada no interior de um quarto, ao deitar. É um ambiente seguro e calmo que descreve a relação entre pai e filha.
Para envolver o leitor nesta ação levando-o a participar nela, criou-se uma narrativa com um ritmo constante e calmo para que este pudesse partilhar aquele momento com os personagens. A câmara ao nível dos olhos (nas primeiras três vinhetas) reforça a "realidade" da acção e o enquadramento ao centro reforça calma e equilibro.
A 4.ª vinheta marca uma pausa no ritmo de leitura. Esta pausa é reforçada pela mudança da perspectiva, afastamento da câmara e pelo facto do homem (personagem mais importante nesta composição) estar virado para a esquerda. Este facto contraria a leitura natural da esquerda para a direita dando uma sensação de câmara lenta à cena.

Imagens: Na 1.ª tira (Imagem 2) estão assinalados os elementos gráficos utilizados para reforçar a orientação da narrativa (a vermelho). Estes elementos gráficos são simples aproveitamentos do grafismo da vinheta com o objectivo de conduzir o olhar da audiência.
Na 1.ª vinheta aproveitou-se um elemento da porta, para a transição para a 2.ª vinheta e na 2.ª aproveitou-se o foco luminoso (que acompanha o olhar da menina) para passar para a 3.ª.
De forma simples o autor pode conduzir o leitor de vinheta em vinheta, recorrendo a qualquer elemento gráfico que as constitua. Elementos como adereços, iluminação, ou personagens poderão ser utilizados com esta função. Como abordado no post "Prancha 01 - "O meu livro e eu" (storyboard)a balonagem tem aqui uma função bastante importante.
A verde estão marcados os pontos de interesse da 5.ª vinheta e que vão ajudar no processo de composição e desenho. Estes pontos são encontrados através da intersecção de uma das diagonais da vinheta com a sua perpendicular, que se inicia num dos vértices. Outro processo que pode ser utilizado é a regra dos terços.



004 - Narrativa - Prancha 02 | Vinheta 04 (Cap. I)


Texto literário - 004 (continuação):

"Pouco tempo se passou até se imobilizar com a cabeça afundada na almofada macia. O seu cabelo comprido e sedoso emoldura-lhe a face delicada destacando os expressivos olhos que fitam o pai, enquanto as sua mãozinhas puxam o lençol na direcção da face.

003 - Narrativa - Prancha 02 | Vinhetas 01 a 03 (Cap. I)



Texto literário - 003 (continuação):

"O largo Amato Lusitano encontra-se vazio e os apartamentos, na sua maioria, encontram-se de luzes apagadas. Recolhidos no quarto estão pai e filha num ritual que marca mais um fim de dia preenchido e exigente. A chuva bate na janela com uma cadência forte mas entorpecedora que amplia a sensação de conforto.
O homem tem cerca de 30 anos e um ar ternurento que contrasta com sua postura rígida e exigente. Veste uma t-shirt preta e calças de ganga roçadas pelo uso, rodeadas por um largo cinto de cabedal com uma fivela metálica pesada. Da sua indumentária destacam-se a larga argola dourada que pende da orelha esquerda e uma estranha tatuagem que lhe contorna o deltóide bem definido e que se prolonga até desaparecer por baixo da manga apertada. 
Apoiado no colchão da pequena cama, observa os mais pequenos movimentos da sua filha de 6 anos, que se aninha por baixo dos cobertores. Está consciente das suas mais subtis mudanças de expressão que vão ocorrendo à medida que o pijama cor-de-rosa se lhe enrola no corpo. Pacientemente aguarda que ela encontre uma posição confortável para que possa começar a aconchegar-lhe a roupa."

Prancha 01 - "O meu livro e eu" (storyboard)



Alguns raciocínios:

Durante toda a narrativa de "O meu livro e nós" o clima irá ser protagonista. Na maioria das vezes irá estar presente para reforçar o estado de espírito dos personagens mas no caso desta prancha é representado para criar um contraste entre a hostilidade do ambiente exterior e o conforto do quarto onde irá decorrer a acção seguinte (esta prancha antecipa o aparecimento de duas personagens no interior de um quarto).

Na BD, qualquer elemento gráfico têm a função acrescida de reforçar a narrativa. Nesta acção aproveitou-se a água (gerada pela chuva) para conduzir a narrativa, vinheta a vinheta até ao aparecimento dos personagens que irão ser apresentados na prancha seguinte: O plano zenital da primeira vinheta representa um relâmpago acompanhado por uma queda violenta de água que se acumula no telhado de um edifício (segunda vinheta) e que acaba por ser conduzida verticalmente através do algeroz (terceira vinheta) até ao chão, sendo violentamente descarregada no passeio já alagado (quarta vinheta). A narrativa visual que é pretendida nesta acção encontra-se assinalada na imagem 2 (vermelho).
A perspectiva e a composição também foram escolhidas com critério, mas falarei disso noutra altura.

Todos estes elementos gráficos podem e devem ser usados para beneficiar a narrativa visual, conduzindo o leitor na acção. Dando a primeira vinheta como exemplo, parte do relâmpago foi contrastado com o objectivo de conduzir a audiência na transição para a segunda vinheta. O texto, no caso de existir, também pode ser usado para conduzir o leitor na narrativa, permitindo também acelerar ou atrasar uma acção.

Para que a acção desta prancha em específico consiga atingir um envolvimento emocional com o leitor, é conveniente que seja prolongada no tempo ou seja, que seja lida de uma forma mais lenta.
Recorrendo ao texto podemos fazê-lo de duas formas:

1.º - Ausência de texto - A ausência de texto nesta prancha implica que, para além da queda da água da chuva, não existirá qualquer outra referência à passagem de tempo durante a sua "leitura”. Isto irá sugerir ao leitor que a acção irá durar um período de tempo indeterminado (o tempo que a água pode levar a chegar ao passeio). O nível de detalhe do desenho poderá ajudar a acelerar ou atrasar a acção de acordo com o que é pretendido.
2.º - Muito texto - A duração da acção será determinada pela quantidade de texto que a audiência tiver que ler. Neste caso o tempo de leitura é determinante para sugerir a passagem de tempo e irá variar de acordo com a capacidade de leitura de cada leitor.

Qualquer uma destas opções poderá ser viável nesta narrativa pois a opção de colocar um texto muito curto em cada uma das vinhetas poderá acelerar a acção em demasia.

Nota: No desenho do storyboard é feito com base no Guião e as vinhetas são construídas tendo em consideração o espaço necessário para o texto, que irá aparecer em forma de recitativo ou balão.

002 - Narrativa - Prancha 01 | Vinheta 02 a 04 (Cap. I)


Texto literário - 002 (continuação):

“A água que cai abundantemente nos telhados dos edifícios é rapidamente conduzida para os algerozes e precipita-se numa descida de vários andares até ser descarregada violentamente nas ruas inundadas.”

001 - Narrativa - Prancha 01 | Vinheta 01 (Cap. I)


Texto literário - 001:

“Um raio recorta a noite seguido do som ensurdecedor de um trovão que reverbera por longos momentos.”

O meu livro e nós - Sinopse e resumo


A BD é uma forma de comunicação de grande potencial educativo e pedagógico que pode ser usada para contar histórias de forma simples e divertida. A obra “O Livro” foi pensada para ser veiculada em Banda Desenhada e veio responder a duas necessidades:
- Criação de uma obra que reunisse alguns conteúdos históricos e que pudesse ser contada com uma boa dose de entretenimento.
- Contar a história de Personalidades Universais de origem Portuguesa que se diferenciaram pela genialidade e engenho.


"O meu livro e nós"

Sinopse:
“O pequeno livro revelou-lhe a “Toca do Coelho”, mas foi a coragem que a fez a entrar.”

Resumo:
A Edite nunca esqueceu o pai que desapareceu sem deixar rasto na altura em que tinha seis anos. Revoltada com o sucedido, atirou para o fundo de uma gaveta a última lembrança que este lhe deu: um pequeno livro que esteve desaparecido durante 10 anos.
Voltou a encontrá-lo recentemente, antes de um treino, na altura em que tirava o fato de treino da gaveta. Edite interpretou este facto como um sinal positivo no sentido de descobrir o que aconteceu ao pai, mas rapidamente o misterioso livro, que se apresentava como uma solução, se torna um problema.


Imagem: Concept Art - primeiro estudo do pequeno livro preto

“O meu livro e nós” - Processo de trabalho


O nível de complexidade para a criação de uma banda desenhada é suficientemente grande para que deva haver a preocupação por parte do autor de desenvolver um processo de trabalho que garanta a aceleração do projecto, evitando avanços e recuos desnecessários.
Infelizmente não existem formulas mágicas que garantam o sucesso na criação e adaptação de uma história para a BD mas poderei partilhar o pouco que conheço sobre o assunto, aproveitando desta forma para me organizar e aprender.

Aqui vou tornar públicos alguns dos meus raciocínios sobre o assunto, apresentando de forma integral a adaptação da segunda versão do projecto “O meu livro e nós” do qual sou autor. Esta nova versão do projecto está mais simplificada e orientada para um target infanto-juvenil apesar de manter todos os ingredientes principais da versão original.

Durante a adaptação irão ser abordados assuntos que sejam pertinentes ao desenvolvimento do projecto, desde a escrita do Guião até à sua adaptação à BD, passando pelo Design de Personagens, (indumentária, expressão, poses de acção, etc.), Composição, Processo de Trabalho, Estratégia, etc..

Para facilitar a “navegação”, cada post será devidamente identificado com o tema de que fala, como por exemplo: Guião, Narrativa, Adaptação, Design de Personagens, etc..

Tendo em consideração que este é um assunto complexo que faz parte de um Work in Progress, é possível que hajam avanços e recuos nos conteúdos que irei disponibilizando e haverão de certeza, correcções em posts já publicados.

Imagem: Storyboard “O Livro” (1ª versão) regista alguns dos pontos chave da narrativa. 

A Simbiose Autor/Leitor na BD


A Banda Desenhada (BD) é uma forma de comunicação complexa em constante evolução e que partilha muitos códigos visuais com o cinema. A grande diferença entre o cinema e a BD é a passagem rápida dos fotogramas que dão ilusão de movimento e que define as acções sem a necessidade da participação da audiência. No caso da BD isso não acontece pois a comunicação é feita através de uma sequência de imagens não contínuas que exige a intervenção quase constante do leitor, que é convidado a preencher “os vazios” entre vinhetas (Gutter) para "ver" o se passa para lá da imagem. Scott McCloud na sua obra "Understanding Comics" diz que o Gutter é o pequeno espaço onde a imaginação transforma duas imagens numa única ideia. A interpretação daquele pequeno espaço varia de leitor para leitor dependendo da sua experiência de vida. Em conclusão e de forma grosseira podemos dizer que tudo aquilo que não é representado na BD, é imaginado pelo leitor.

O protagonismo que o leitor tem na narrativa obriga a que o autor esteja sempre consciente da sua existência e importância, pois é para ele que deve comunicar de forma simples e clara recorrendo ao desenho e ao texto (quando existe).
Poder-se-á dizer que deve haver um equilíbrio entre o que deve ser narrado (desenhado e/ou escrito) e o que deve ser interpretado. Talvez este seja o maior desfio do autor: o de fornecer uma sequência de imagens que permitam que o leitor interprete correctamente cada acção da narrativa.

O autor tem também a responsabilidade de conduzir a audiência na aventura, definindo a orientação, o ritmo e o timming da leitura recorrendo a técnicas narrativas específicas da BD ou transversais a outros médium visuais.
Mas atenção! O leitor deverá ser conduzido de forma discreta para que possa concentrar-se na leitura tirando dela o maior partido.

Imagem: As sete primeiras pranchas da 1.ª versão do projecto o “O Livro”.

Storyboard vs Prancha Final - 02



Comparando o storyboard (à esquerda) com a prancha final (à direita) é possível perceber que o contraste de luz entre a primeira e a segunda vinheta não foi devidamente representado.
De acordo o Guião, "O tempo está chuvoso e os relâmpagos rasgam o céu...": a acção pede uma representação da iluminação interior com variações bruscas e sombras recortadas.
No storyboard a diferença de iluminação assinalada entre a primeira e segunda vinheta tem a intenção de sugerir a queda de um raio no exterior.
Na prancha final (à direita) esse facto não foi considerado pois isso só será feito durante a arte-final (digitalmente). Também é possível verificar que a representação da Edite na última vinheta da prancha final não está consistente com as anteriores. Isto acontece porque a personagem ainda não está definida e aproveitam-se estas alturas para testar "novos visuais" em acção.

Storyboard vs Prancha Final - 01



Depois do storyboard finalizado e aprovado é altura de melhorar o desenho e colocar o texto no espaço reservado. Na altura em que o storyboard foi desenvolvido ainda não tinha sido decidida uma localização para a acção da primeira vinheta, por essa razão o único cuidado que houve no desenho foi definir a perspectiva e o enquadramento. A igreja desenhada no storyboard representa por isso, um edificio genérico sendo meramente indicativa.  Quanto às restantes vinhetas tiveram ligeiras alterações.

Para evitar repaginações, está a ser estudada a possibilidade da publicação em vários formatos diferentes em simultâneo (um dos formatos a vermelho). Este conceito iria implicar a concentração do texto no interior da linha vermelha e já condiciona a representação de todo conteúdo das vinhetas.
Esta estratégia deverá ser descartada devido à importância que o texto tem na narrativa, pois apesar de transmitir os conteúdos, determina o ritmo da acção (em conjunto com a imagem) e a orientação da leitura.
Na BD, o texto é demasiado importante para ser subordinado a interesses exteriores à narrativa, por mais vantajoso que isso possa parecer.

O Guião literário


No meu processo de trabalho a história escrita (Guião) vem antes da BD.
Registam-se os primeiros raciocínios que vão definir em traços muito gerais aquilo que irá ser a história. De seguida, com base nas primeiras investigações anotam-se pontos chaves do enredo e cria-se uma primeira estrutura da narrativa (com principio, o meio e fim). Com naturalidade o enredo vai ficando mais complexo e as notas rapidamente passam a escrita. Começa-se a dar resposta a algumas questões e surgem dezenas de outras. A narrativa está em constante mudança em busca de uma estrutura simples e coerente.

Quanto maior for o envolvimento e dedicação na escrita, mais natural irá parecer o enredo assim como os personagens. Podemos dizer que o processo de criação do Guião é muito semelhante à montagem de um puzzle em que a construção da imagem demora no arranque e precipita-se no fim.

A escrita obriga-nos a uma maior reflexão e por essa razão permite-nos raciocinar sobre questões complexas da narrativa. A definição do perfil dos personagens é um excelente exemplo disso pois torna-se imprescindível que esteja coerente com as suas motivações dentro do contexto da a narrativa. A “consciência ampliada” da escrita também permite ao autor um poder de decisão quanto ao uso de metáforas visuais (por ex.: a utilização da chuva para reforçar o estado de espirito de um personagem).
A criação de um Guião apresenta outras vantagens não menos importantes, tais como a estruturação da narrativa de uma forma criteriosa, o encadeamento rigoroso das acções, imposição de ritmos narrativos diferenciados, etc.

Sem Guião uma história adaptada à Banda Desenhada corre o risco de ser feita de forma  arbitrária e superficial podendo tornar-se desinteressante e inverosímil.

Desenhar e escrever são duas formas diferentes de contar histórias por isso é inevitável haja necessidade de ajustes narrativos.

Imagem: Poses de acção da Edite

Narrativa - Prancha 05 | Vinheta 4 (Cap. I)


Não sei quanto tempo fiquei ali… estática a tentar perceber o significado daquilo mas a fraca luz do sótão, o meu cansaço e uma enorme coincidência serão com certeza uma boa justificação para tudo isto.
O chamamento da minha tia tira-me do transe
— Edite, o Almoço está na mesa! - grita.
— Vamos comer! - Reforça
— Desço já tia! - Grito de volta.
— Dá-me um minuto! Volto a gritar enquanto fecho o livro e me preparo para descer.

Narrativa - Prancha 05 | Vinhetas 1 a 3 (Cap. I)


Rodo o corpo para agarrar melhor o objecto e começo a puxá-lo. Pela forma, textura e pela torção que faz quando puxo, percebo que é um livro. Ao retira-lo, seguro-o com ambas as mãos. Ignoro o manto de pó e sento-me de pernas cruzadas onde o apoio inclinando-me para a luz. Fico a observá-lo. Tem ar de ser bem antigo, um daqueles que se guardam em vitrinas de museus, e pelo aspecto deve estar aqui à muito tempo.
A capa de cabedal parece irremediavelmente danificada pelo tempo e pelos maus tratos. Começo a percorrer a suave textura da pele com a ponta dos dedos que encontram ocasionalmente os baixos relevos que formam os seus delicados e enigmáticos desenhos.

Num ímpeto, como se respondesse a um apelo irresistível, abro a capa que vem com outra folha agarrada. Analiso a página seguinte, amarelada pelo tempo e manchada pela humidade. Ao meio apresenta um texto que aparenta ser o título escrito em caracteres estranhos.
Os meus olhos descem pela página e o que vejo no canto inferior direito faz-me disparar o coração.

“Olá Edite, como estás?” - vejo escrito à mão.

Paraliso por uns momentos pois fico com a sensação que aquelas palavras se materializaram naquele instante. O azul vivo e brilhante da tinta contrastam com o restante texto, debotado. Sinto o cheiro de tinta no ar mas o que me incomoda verdadeiramente é que o conteúdo parece ser dirigido a mim.

Prancha 05 - "O Livro" (storyboard)


Segundo o filme “Western vs Eastern Storytelling - What's the Difference?”, a versão da história “O Livro” que apresento (1.ª versão) apresenta um storytelling do género Ocidental.

O facto da história ter apenas um herói foi uma opção assumida desde o início apesar de não me sentir confortável com ela, uma vez que se poderia revelar redutora.
A opção manteve-se até conhecer “Nakama” a palavra mencionada no filme, como sendo a grande diferença entre o storytelling Ocidental e Oriental.

Após uma rápida pesquisa encontrei o site Urban Dictionary, que define “Nakama” como uma palavra Japonesa que significa amigo ou camarada.
Dentro de um contextos mais específico como a manga, poderá significar: “conjunto de pessoas mais intimas do que família”.

Segundo o filme, “Nakama” refere-se a um grupo de Heróis amigos com capacidades diferentes, liderado por outro herói e todos mobilizados para a mesma missão.

Uma família de heróis unidos na resolução de um único desafio parece-me uma ideia promissora e com potencial. Neste momento reescrevo uma segunda versão da história.

Character Design - Edite




Personagens: Antes da representação visual um personagem (por ex., estatura; peso; maneira de vestir; adereços; etc.) é necessário definir alguns dos aspectos “menos visíveis” da sua personalidade e quotidiano (por ex., o que a motiva ou desmotiva; o seus gostos; os seus hábitos; elementos da família com quem priva; amigos com quem partilha as experiências; os inimigos; os locais frequenta; etc..).

Eles são o elemento mais importante da história pois é com os personagens que o leitor cria (ou não) empatia e participa nas aventuras. São eles que conduzem a audiência envolvendo-a na alegria e no sofrimento, na desgraça e no sucesso e na procura das soluções para os problemas que vão surgindo e que têm de ser superados. Um personagem verosímil é cativante e enriquecedor e pode ser determinante para a permanência do leitor na história.

Por essa razão é importante que os personagens sejam criados com o máximo de informação “menos visível” possível para que possa ser colocada ao serviço da história.

Imagem: Um dos últimos estudos da Edite que é a personagem principal de “O Livro”.