Narrativa - Prancha 03 | Vinheta 03 (Cap. I)


Por todo o lado se acumulam objetos de todas as formas e feitios. Alguns perderam a sua utilidade com o tempo, outros nunca a tiveram e só ali estão pelo capricho e imaginação fértil de 3 crianças, que em determinada altura elegeram aquele local como o favorito para as suas brincadeiras.
Lembro-me da felicidade estampada na cara da minha mãe quando nos via a correr aos gritos pela cozinha na direcção do sótão, totalmente absorvidos na imaginação da brincadeira.

Éramos uma família feliz!

Os meus tios, os meus primos, a casa, a pocilga,  a capoeira, o trator, a ribeira, o pinhal, era tudo o que não tínhamos na grande cidade. Aqui tudo era permitido. Sentia-mo-nos adultos a viver aventuras adultas.

Com o desaparecimento do pai toda a alegria desapareceu como que absorvida por um buraco negro. Passo a mão pelos olhos na tentativa de impedir uma lágrima mais rebelde.

Olho para para aqueles objetos, todos eles familiares, dispostos de forma aparentemente desorganizada mas com um padrão, o padrão de brincadeiras interrompidas à espera de serem recomeçadas.
Aproximo-me da velha arca, certamente  recheada com os  mesmos objetos da minha infância. Observo-a mas não me atrevo a abri-la pois sinto que se o fizer, uma memória feliz vai desaparecer para sempre.
Junto dela estão as lamparinas de azeite que nunca cheguei a ver em pleno desempenho das suas funções pois tornaram-se desnecessárias após a chegada da electricidade. Mais à frente estão os livros de histórias infantis, os livros escolares e as sebentas todos empilhados, amarelados pelo sol e encarquilhados pela humidade. Ali está a velha ardósia da avó, herdada pelo tio, já meio partida; os montes de sapatos velhos desencontrados ou sozinhos, caixas de cartão recheadas de pequenos objectos isolados; brinquedos que pela sua simplicidade tinham a capacidade de nos estimular a criatividade em brincadeiras épicas; os bancos de madeira que ali foram colocados na esperança que se tornassem úteis mais uma vez; as ferramentas do avô trazidas para aqui durante as brincadeiras e que foram privadas de mais alguns momentos de utilidade, ficando no esquecimento. Estes objectos continuam aqui como me lembrava, agora unidos pelo fino manto cinzento-acastanhado que os faz partilhar o mesmo destino: o esquecimento.

Narrativa - Prancha 03 | Vinhetas 01 e 02 (Cap. I)


11:00 horas.

Acordo toda partida, cheia de dores devido à posição em que dormi. Já não dormia nesta cama há séculos. As molas já estão tão deterioradas pelo tempo e pelo uso que se “afundaram” logo que me deitei, fui literalmente “engolida”.
Estou que nem posso.

A visita à tia vai ser curta e já é tarde. Coragem!

Ao primeiro movimento à procura de um apoio para sair do “buraco”, perco o equilibrio e sou novamente “absorvida”. Parece que estou num insuflável!
Com esforço ponho-me de pé e agarro no telemóvel que deixei em cima da mesa de cabeceira.
Não o devia ser assim, mas a primeira coisa que faço logo que me levanto é verificar o e-mail e as redes sociais. Tenho deixado a higiene diária fica para segundo plano :-(. Estou dependente deste gadget! Mas o que posso fazer?
É com ele que me mantenho em contato com o resto do mundo e por mais que tente, não consigo viver sem ele.

Tenho 3 Mensagens mas nenhuma delas é suficientemente importante para que perca mais de 2 minutos a olhar para o ecrã. Enquanto me visto, penso na tia que certamente se levantou de madrugada para tratar os animais. Por esta altura já passou pelas hortas de onde colheu as hortaliças para o almoço e pelo pomar, de onde recolheu a fruta.
Neste momento deve estar na cozinha a tratar do almoço e não deve tardar a chamar por mim. Este é um ritual que eu adorava fazer com ela sempre que a vinha visitar nas férias grandes.

Animada pela recordação, encho o peito e dirijo-me para as escadas com a intenção de lhe ir dar um beijinho bem carinhoso, antes de passar pela casa de banho que fica no exterior da casa. Quando passo pelo antigo quarto da avó, paro e olho para a pequena porta junto à cama. Num impulso abro-a e fico de frente para as escadas quase tão curtas quanto estreitas, que dão acesso ao sótão.

Não resisto!

Começo a subi-las com cuidado, acompanhada pelo pelo ranger da madeira envelhecida à medida que subo os degraus. Ao chegar a cima, estico-me e observo a estrutura esconsa do telhado. Está como me recordava, talvez um pouco mais curvada pelo tempo.

Olho à volta e avanço!

Prancha 03 - "O Livro" (storyboard)


Terceira prancha do storyboard "O Livro".
O importante na Banda Desenhada e nos Comics é a fluidez na leitura. Para isso têm de ser considerados indicadores de leitura ao nível da prancha, da vinheta, ou do desenho. Estes indicadores poderão aparecer das mais variadas formas: para além da balonagem, através do background, dos personagens; de forma isolada ou em conjunto.

Narrativa - Prancha 02 | Vinheta 04 (Cap. I)



“Só agora me apercebi da violência dos elementos, de tão distraída que estava.

Sentes a chuva? Tenho a sensação que cada vez mais, o clima reflete o meu estado de espírito... e agora estou deprimida.

Prometo que amanhã estaremos juntas novamente e nessa altura dar-te-ei todas as novidades e dir-te-ei como está a tua irmã. A viagem foi longa e cansativa e preciso de descansar, um beijinho muito grande cheio de saudades.

A última coisa que me lembro antes de adormecer é o som crescente da chuva a bater e que cai de forma excepcional para a época.”

Narrativa - Prancha 02 | Vinhetas 01 a 03 (Cap. I)



“Só agora me apercebi da violência dos elementos, de tão distraída que estava."

Prancha 02 - "O Livro" (storyboard)


O distanciamento que tenho tido ao projeto "O Livro" tem permitido o seu amadurecimento de forma consistente, reforçando o seu potencial narrativo. O próprio conceito tem evoluído de forma sustentada e coerente, apoiado pelo desenvolvimentos de outros conteúdos visuais (esboços, estudos de personagens, "storyboards", etc.) que ajudam a reforçar o rigor narrativo, quer visual,  quer escrito.

Narrativa - Prancha 01 | Vinhetas 02 a 04 (Cap. I)


“Sei que estás preocupada por ter feito esta viagem sozinha, ainda por cima em setembro, altura de chuva, mas é necessário. A tia está preocupada com o teu estado de saúde e o facto de podermos falar deixa-a mais descansada; além disso confesso que continuo à procura de respostas para o desaparecimento do papá.

És da opinião de que já o devia ter esquecido, afinal já passaram 10 anos. Mas não posso nem vou fazê-lo. Ao contrário do resto da família acredito que o seu desaparecimento não foi premeditado ou intencional e sinto que está a necessitar da nossa ajuda. Enquanto este mistério não for resolvido a mina vida não será normal.

No entanto existe um lado positivo no meio disto :-): estou a aprender a viver sozinha, sem depender de ninguém. Quer dizer,... tenho o meu telemóvel que é uma excelente companhia. Neste momento é tudo o que preciso para me sentir acompanhada. Nele guardo as minhas recordações mais importantes, entre elas a nossa selfie de família.

Ao contemplá-la sinto-me mais próxima de ti e isso torna-se mais evidente aqui, nesta casa onde vivemos muitos momentos de grande felicidade. Através desta imagem consigo comunicar contigo de forma intensa, de uma maneira que nunca conseguiria se estivéssemos juntas na conversa.”